Porque o Slow Fashion Não é Moda Passageira
O movimento Slow Fashion incorpora a mudança sistêmica na moda e também na maneira como nos relacionamos com o vestir. Entenda como adquirir suas práticas.
Julia Caramés
21/09/2021
Você já se perguntou quantas peças dentro do seu armário realmente contam uma história? E as roupas que você usa no dia a dia, todas refletem a sua identidade ou tem alguma sobrando que foi adquirida pelo impulso do momento da compra ou por alívio instantâneo? Questionar o que temos, o que e como compramos quando pensamos no vestir, é o primeiro passo para entender melhor do que se trata o Slow Fashion.
O termo criado pela pesquisadora inglesa Kate Fletcher, em 2007, chegou na moda depois de ter começado com o Slow Food, na Itália, parte integrante do conceito Slow Movement. Propondo mudanças sistêmicas, o objetivo do movimento surgiu com a valorização de processos e pessoas dentro da cadeia da moda. A partir das suas práticas encontramos uma cadeia de produção que preza pela diversidade; prioriza o local em relação ao global; promove consciência socioambiental; contribui para a confiança entre produtores e consumidores; pratica preços reais que incorporam custos sociais e ecológicos; e mantém sua produção entre pequena e média escalas.Em suma, o Slow Fashion é o consumo desacelerado e consciente, mas não só.
A coordenadora de comunicação da organização Fashion Revolution, Mariana Chaves, indica que para trilhar um caminho de maior consciência é preciso primeiro, uma reconfiguração do entendimento do vestir, do comprar e do uso do dinheiro como moeda de troca: “É importante estar ciente também que escolher uma vida mais consciente não é uma possibilidade para todas as pessoas, por uma infinidade de motivos. Vale lembrar que uma vida de consciência é muito maior do que uma vida de consumo consciente”.
O Caminho para a Mudança
Se olharmos para os conceitos do Slow Fashion enquanto práticas a serem adquiridas, fica nítido que topamos com o início de uma jornada e não com uma mudança de comportamento total e imediata. E parte desse processo só nasce com novos questionamentos. Dentro da pergunta sobre quem fez suas roupas, existe uma infinidade de pontos que formam na cadeia um olhar mais atento e conectado com o que desejamos consumir e também refletir.
“Compreender o tamanho, origem e conduta da marca é mais importante do que escolher coleção X ou Y. As práticas em relação às marcas passam pela transparência, por questionar o quanto você consegue saber ou pesquisar sobre os processos de produção da marca que gosta. Ter visão crítica em relação aos comportamentos, como, por exemplo, saber de que maneira os funcionários da empresa são tratados e se são valorizados, são parte do entendimento de quem você está comprando. Mais vale uma roupa de coleção sustentável de uma grande corporação ou uma roupa comum de uma pequena marca de mulheres?”, questiona Mariana.
A busca pela mudança foi o que gerou a ideia e constituiu a forma da marca Laura Cangussu. Laura, a criadora, conta que uniu os anos de direito ambiental aos de stylist em revistas de moda, para refletir em suas criações a escolha de viver uma vida mais consciente e mais responsável: “A gênese do projeto é essa: precisamos de mais roupas no mundo? Não. Vamos fazer roupas com qualidade, de maneira justa e responsável, ambientalmente e socialmente do ponto de vista trabalhista”.
Partindo desse preceito, Laura explica que os materiais que escolhe trabalhar também definem como serão seus produtos e a história que vão contar: “As peças são feitas sempre pensando no menor impacto ambiental possível mas também na valorização do trabalho humano. Ficam prontas quando podem ficar prontas. Eu uso sempre a expressão “no tempo das mãos”, porque precisamos respeitar esse tempo, o resgate e a valorização do que é feito a mão. Priorizamos produtos que possuem as certificações mais transparentes e fáceis de identificar que não houve exploração de mão de obra humana. Tudo para tentar minimizar os impactos negativos da produção da moda”.
A Busca pela Transparência
Se nos entendermos como agentes da mudança que queremos vestir, o olhar atento para o que consumimos e de quem estamos comprando, se torna um movimento natural. Mariana Chaves elabora que o ativismo na moda nos mostra que somos cidadãos antes de consumidores. Ocupando esse lugar inicial, a busca pela transparência é integrada.
“Enquanto cidadãos ativistas da moda, precisamos acompanhar os movimentos das empresas e suas práticas, não aceitar discursos vazios e questionar sempre. E não se satisfazer com a primeira resposta, pois uma marca com boas práticas não está isenta de cometer erros, assim como uma empresa condenada por abusos pode remodelar sua forma de trabalhar e fazer negócios. É preciso estar perto tanto para questionar práticas como também para celebrar avanços”.
Separar um espaço para se aprofundar um pouco mais sobre o que existe por trás de uma roupa é a ponte para se conectar com a história que uma peça pode contar e quem são as pessoas que contribuem para essa história existir. Uma escolha que faz um trato com o tempo e não se encaixa nos moldes do que é passageiro.
“Já existe muita roupa no mundo, grandes grupos queimam roupas. Nossa produção é pequena, são peças atemporais. Estampas não envelhecem, não seguem tendências ditadas. As roupas não devem ser descartadas, podem ser doadas, trocadas, mas não jogadas fora. Eu dificilmente vou usar algo que envelheça rápido, pensar no descarte faz parte da atitude predatória da moda, com os corpos, com o consumo e nós precisamos refazer essa educação”, finaliza Laura Cangussu.
O Slow Fashion, nos ensina que o único descarte instantâneo é o da pressa. Desembaraçar a ideia de que o caminho é difícil, já nos coloca de frente com escolhas possíveis e mais conectadas. Se a moda é também uma atitude, a mudança nunca vestiu tão bem.